Esta
semana, todos nós assistimos surpresos ao desenrolar dos
fatos envolvendo a prisão da astronauta Lisa Nowak (43)
em Orlando, Flórida, por tentativa de seqüestro de
Collen Shipman (30), namorada do astronauta William Oefelein (41).
Lisa é “Captain” da Marinha Americana (correspondente
ao posto de Capitão de Mar e Guerra na Marinha do Brasil,
ou Coronel na Força Aérea). Ela foi selecionada
em 1996 pela NASA sendo, portanto, integrante da turma 16 de astronautas
(uma turma antes da minha: turma 17, selecionado em 1998).
William
Oefelein, ou Billy “O”, como todos conhecemos, é
“Commander” da Marinha Americana (correspondente ao
posto de Capitão de Fragata da Marinha Brasileira, ou Tenente
Coronel da Força Aérea). Ele Chegou aqui na
NASA junto comigo. É da minha turma.Colleen Shipman é
Capitã da Força Aérea Americana, servindo
na histórica
Base Aérea de Cabo Canaveral, ao lado de Kennedy Space
Center, na Flórida.Sendo da minha turma, obviamente conheço
Billy muito bem. Excelente piloto(“top-gun”), voamos
várias vezes juntos nos T-38 Talon da NASA. Tambémpassamos
juntos por difíceis fases de treinamento, incluindo muitas
missões simuladas do ônibus espacial. Sempre calmo
e estudioso, Billy sempre foi considerado um dos melhores elementos
da turma. No aspecto pessoal, não há o que questionar.
Prestativo e simpático, todos nós daturma “Pinguim”
sempre o tivemos no mais alto conceito. Lisa conheço muito
pouco. Não tivemos oportunidade de trabalhar ou treinar
juntos. Das poucas vezes que nos vimos, em reuniões e atividades
técnicas aqui no escritório, apenas trocamos algumas
palavras. Contudo, por relato de todos que a conhecem melhor,
ela sempre se mostrou uma pessoa extremamente profissional, dedicada
e companheira, itens bastante avaliados durante a seleção
de astronautas. Quanto à Colleen, eu nunca tive nenhum
contato. Na situação atual, Billy está divorciado
e namorando Colleen. Ele voou como piloto do ônibus espacial,
na última missão da NASA, em Dezembro de 2006, rumo
à Estação Espacial Internacional. Lisa voou
em Julho de 2006,também a bordo da Estação
Espacial Internacional. Ela separou-se do marido a poucas semanas
e, depois do incidente, encontra-se com a família aqui
em Houston, liberada por fiança, após os registros
legais.
Segundo
conversa com Billy “O”, não havia nada além
de relação profissional entre ele e Lisa. A ação
de Lisa ao “interceptar” Colleen em Orlando aparece,
então, como um fato de difícil interpretação,
mesmo entre os amigos mais próximos. Imediatamente após
o “encontro” no estacionamento do aeroporto em Orlando,
Colleen ligou para Billy e relatou o ocorrido. Ele prontamente
informou o fato ao Chefe dos Astronautas, Steve Lindsey, que,
por sua vez, deu conhecimento a toda a cadeia de comando da agência.
Em seguida, Billy pediu afastamento temporário das funções
e seguiu também para a Flórida, ficando junto à
Colleen.O posicionamento da NASA quanto ao assunto foi bastante
simples: o tratamento da questão pessoal dos servidores
deve seguir pelos meios normais, sem influência da agência
no desenvolvimento legal do processo, exceto no tangente aos aspectos
que possam interferir nas funções
profissionais.
Nesse
contexto, vale a pena esclarecer um pouco sobre a metodologia
de preparação psicológica ao qual estamos
submetidos no treinamento para as missões espaciais. Durante
o processo de seleção, passamos por uma bateria
de testes psicológicos e duas entrevistas, uma coletiva
e uma individual. No decorrer dos treinamentos, sempre temos um
psicólogo acompanhando nossa performance individual e comportamento
em grupo. Normalmente não temos a
interferência do profissional do setor, exceto no caso de
alguma dificuldade pronunciada durante o treinamento. A procura
do psicólogo pelo astronauta, quando ocorre, é feita
de maneira voluntária. Considerando o tipo de grupo que
estamos falando a respeito, e as pressões de performance
pessoal esperadas na competição natural por uma
vaga na próxima espaçonave partindo, isso é
um fato raro. Não há nada específico na área
para o período de missão e pós-vôo.A
NASA pensa em rever os critérios de seleção
e metodologia de acompanhamento dos futuros astronautas. Contudo,
é evidente que a pressão de performance nesse trabalho,
o ritmo super intenso de atividades, o afastamento da família,
o stress do treinamento e da realização da missão,assim
como a experiência pessoal fora do planeta, podem causar
variações comportamentais difíceis de prever
através de testes e observações.
Certamente, desvios de atitude, como o ocorrido são lamentáveis
e provavelmente poderiam ser evitados pelo acompanhamento mais
específico do profissional, em especial nos momentos mais
críticos do pós-vôo e problemas familiares,
como um divórcio ou doença grave. Contudo, a natureza
psicológica do ser-humano é ainda um universo a
ser explorado, um imenso desconhecido, mesmo por aqueles que têm
a coragem e se dispõem a dar um passo a mais na escuridão
fria do espaço. Eu apenas desejo que tudo fique bem para
os envolvidos nesse infeliz incidente. Que as lições
sejamaprendidas, e que todos sigam suas vidas em paz.
Marcos
Pontes é astronauta, mestre em engenharia de sistemas,
engenheiro aeronáutico, piloto de provas de aeronaves,
consultor, empresário e colunista. Atualmente o astronauta
continua a disposição do Programa Espacial Brasileiro,
participando e assessorando nos seguintes projetos: participação
brasileira na Estação Espacial Internacional, Programa
Microgravidade, AEB Escola, Veículo Lançador de
Satélites, desenvolvimento de foguetes suborbitais e Satélite
SARA. No setor privado, Pontes atua como consultor técnico
e gerencial junto a empresas de renome, com ênfase nas áreas
de segurança do trabalho, gerenciamento de riscos, motivação
e gerenciamento de projetos.
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